terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

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Às vezes medito,

Às vezes medito,

Às vezes medito, e medito mais fundo, e ainda mais fundo

E todo o mistério das coisas aparece-me como um óleo à superfície,

E todo o universo é um mar de caras de olhos fechados para mim.

Cada coisa — um candeeiro de esquina, uma pedra, uma árvore,

E um olhar que me fita de um abismo incompreensível,

E desfilam no meu coração os deuses todos, e as ideias dos deuses.

Ah, haver coisas!

Ah, haver seres!

Ah, haver maneira de haver seres

De haver haver,

De haver como haver haver,

De haver…

Ah, o existir o fenómeno abstracto — existir,

Haver consciência e realidade,

O que quer que isto seja…

Como posso eu exprimir o horror que tudo isto me causa?

Como posso eu dizer como é isto para se sentir?

Qual é alma de haver ser?

Ah, o pavoroso mistério de existir a mais pequena coisa

Porque é o pavoroso mistério de haver qualquer coisa

Porque é o pavoroso mistério de haver…

 

29-4-1928

Álvaro de Campos – Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. – 82.










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