Às vezes medito,
Às vezes medito,
Às vezes medito, e medito mais fundo, e ainda mais
fundo
E todo o mistério das coisas aparece-me como um óleo à
superfície,
E todo o universo é um mar de caras de olhos fechados
para mim.
Cada coisa — um candeeiro de esquina, uma pedra, uma
árvore,
E um olhar que me fita de um abismo incompreensível,
E desfilam no meu coração os deuses todos, e as ideias
dos deuses.
Ah, haver coisas!
Ah, haver seres!
Ah, haver maneira de haver seres
De haver haver,
De haver como haver haver,
De haver…
Ah, o existir o fenómeno abstracto — existir,
Haver consciência e realidade,
O que quer que isto seja…
Como posso eu exprimir o horror que tudo isto me
causa?
Como posso eu dizer como é isto para se sentir?
Qual é alma de haver ser?
Ah, o pavoroso mistério de existir a mais pequena
coisa
Porque é o pavoroso mistério de haver qualquer coisa
Porque é o pavoroso mistério de haver…
29-4-1928
Álvaro
de Campos –
Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição,
organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. – 82.